segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Missioneira

Existem músicas que tocam profundamente em nossa alma. Muitas podem fazer o corpo dançar, o pé bater incessantemente, mas quantas realmente conseguem alcançar a profundidade do nosso ser? Músicas que marcam momentos, que embalaram emoções, se tornam, por um motivo ou por outro, melodias especiais, que parecem contar pedaços da nossa própria história!
Existe uma música, em especial, pela qual tenho muita afeição. Gosto muito de cantar toda a sua poesia. Chama-se "Missioneira". Sei que a música era interpretada por Jane Keli, mas não sei se é sua também a autoria. Cantarolava essa música desde os 12 anos, acompanhada de um excelente violeiro. Cantava com vontade, e até mesmo com certa técnica, pois fazia aulas de canto, mas foi somente depois de amadurecer em mim uma verdadeira gana missioneira que senti o corpo inteiro a se arrepiar e meu coração a vibrar juntamente com minhas cordas vocais.
Hoje uma amiga distante me pediu a cifra dessa musica e me fez perceber que não faz muito que seus versos passaram a mexer profundamente com os meus brios. Uma valentia, um sentimento de dignidade pela nossa história, pelo meu chão! Orgulho, por ter nascido gaúcha, por ter nascido MISSIONEIRA.
Pude, então, contemplar os melhores sentimentos pelas minhas raízes. Enquanto criança e parte de minha adolescência participei de invernadas artísticas, estudei a história do Rio Grande do Sul e da Região das Missões, mas pouco me sentia como parte viva dessa história. Gostava dos vestidos rodados desde os 02 anos de idade, mas não compreendia muito bem porque me sentia mais forte e ao mesmo tempo mais doce ao usá-los.
Durante a juventude estudei histórias outras que despertaram em mim o desejo de conhecer diferentes continentes, de viajar o mundo, para, passado algum tempo, retornar às minhas gratas origens e visitá-las para compreender-me melhor enquanto pessoa, enquanto índia, enquanto gaúcha.
Temos uma herança que mescla a pureza dos índios missioneiros com a bravura dos gaúchos e a ousadia dos ladinos. Darcy Ribeiro analisando a civilização das Américas, refere que apesar das rivalidades e diferenças, "Todos se ligam, porém, a um único tronco formativo, como resultantes de um só processo de  ocupação e colonização da área que envolveu, principalmente, espanhóis e índios guaranis deculturados  como partes mutuamente complementares de uma mesma sociedade em formação." O Antropólogo refere ainda que seria uma "proto-etnia capaz de amadurecer como etnia nacional dominadora de toda a região se os sucessos históricos posteriores não a tivessem desfigurado e submergido sobre o alude de outras formações." (RIBEIRO, 2007. p. 417) 
Tudo isso possibilitou que nos fosse transmitida uma eloquência que não se repete com facilidade no mundo contemporâneo. Uma fibra decorrente de muitos anos de peleia, em busca de louváveis ideais. Apesar de não acreditar que possam existir batalhas santas, empunhando espadas e armas de fogo, que não há aspiração que valha mais do que a vida do ser humano, e a paz de uma nação, tenho de convir que a Revolução Farroupilha por uma República Rio-Grandense levantou uma bandeira de liberdade igualdade e fraternidade, que até hoje estampa nosso brasão e que muito nos orgulha.
Chamam-nos de bairristas, e o restante do Brasil pouco entende a relação que estabelecemos com a nossa pátria Rio-Grandense. Não é mesmo fácil de se explicar, mas simples de se sentir e de se experienciar, nas rodas de chimarrão, nos churrascos de domingo, na melodia de uma gaita solitária, ao mirar o pampa perder-se em meio às matas nativas, ao contemplar o azul de nosso céu e o pôr-do-sol de um dourado avermelhado sem igual. Próximo à semana farroupilha esses sentimentos parecem ainda mais evidentes, mas o que importa, em verdade, é que os verdadeiros valores farroupilhas possam permanecer em nossos corações setembro adentro, vida afora!
Não domo cavalos, nossa família não possui nenhuma fazenda, meu pai não veste bombachas diariamente, apenas mantém o bigode, mas nem por isso me sinto menos gaúcha. Ser gaúcho vai além das vestimentas, diz com hospitalidade, com cordialidade e também honestidade! E ser missioneira é sentir todas essas coisas com profundidade, gratidão e devoção à divindade.


Por tudo isso eu não canso de repetir...

"Sou missioneira,
Nasci nos sete povos,
Têmperas de aço das forjas de São João
Colhendo frutas e flores no Inhacorá
Terra vermelha, argamassa do meu chão.

Surgi das cinzas dos povoados primitivos,
Sobrevivendo às balas do Vacacaí
Vi sucumbir as reduções no Pirapó
E as plantações ao longo do Comandaí.

Herdei a fibra de guerreira guarani
Minha alma pura tão leve como a gaivota
Quando os valores e princípios vão sumindo,
Eu sou a cepa missioneira que rebrota.

Fui batizada com a Santa Cruz de Lorena
Pele morena, sou a saga missioneira
Carrego a estampa tão corada dos trigais
Sou seiva verde, rainha das ervateiras.

Sou a semente da consciência embrionária
Da natureza que me embala e me carrega
Sou patrimônio cultural da humanidade
Pra ser prefácio, da história que me renega."

* Fotos: Naimara Cardoso Rodrigues

2 comentários:

  1. Essa música é realmente uma das mais belas canções que já ouvi. Infelizmente não se consegue mais registros sobre ela. Tentei muitas vezes pesquisar, e nada.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Bom dia, sim, música linda, eu tenho o MP3 dela, caso queira posso te enviar por WhatsApp o arquivo, Adriane (51)999977148

      Excluir